terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Wagner Pedro Menezes - O menino inseguro - 28/11/2011 - 08:43


O povo de Deus vivia uma época de queixumes, frustrações e lamentações. Queixavam-se de tudo, de Deus, do templo do Senhor, da reforma religiosa da época... Já sequer praticavam a justiça, de acordo com a Lei. Em meio a tantas lamúrias, crescia o menino, com sentimentos de incerteza, muito sofrimento e luta interior para fazer ver a esse povo as contradições de suas práticas de fé. Filho de um dos sacerdotes do povo, o menino ao menos cumpria suas devoções pessoais, pondo-se em constante oração. Inseguro quanto ao futuro, pedia a Deus pelo seu povo.
 Um dia teve uma visão. Uma dessas inspirações ou aparições que se confunde com a realidade – da qual não se sabe se foi sonho ou real – mas que marcou em definitivo sua infância, definiu seu próprio futuro. A voz daquela visão lhe dizia: “Eu lhe conheço desde antes de sua fecundação”! Como? Quem é o ser capaz de proferir tão absurda afirmativa; dizer-se conhecedor de alguém que sequer existia?
 Mas a voz prosseguiu: “Eu lhe consagrei mesmo antes do seu nascimento”. Seria possível tamanho ideal? Como consagrar o inexistente? “Eu confiei uma missão a você, mesmo ainda estando no ventre de sua mãe”! Ah, só Deus para tamanha audácia, tão misterioso projeto: confiar uma tarefa a alguém que sequer havia nascido!
 Assustado com tais revelações, o menino tentou argüir com uma desculpa evasiva. “Senhor, eu mal sei falar, sou apenas uma criança”. Quem sabe, diante daquele argumento de um menino ainda inseguro, mas consciente de que algo não ia bem com a fé do seu povo, o Senhor ponderasse melhor. Quem sabe Deus escolhesse outro. Não ele, um menino inseguro, cuja devoção se limitava às suas pequenas obrigações diárias, tais como as orações e tarefas domésticas que desempenhava com louvor.
 A voz tornou-se imperativa: “Não. Nunca diga: “sou criança ainda”; não sou capaz”. O desafio do Senhor não escolhe idade, não tem hora para ser colocado em prática, não aceita justificativas vazias, pois as exigências do Reino são gritantes, estão presentes no aqui e agora do tempo presente, dos fatos que rugem contrários aos planos de Deus. Não. Nada justifica uma omissão, quando o próprio Deus ainda pondera: “Vá procurar todos aqueles aos quais eu lhe enviar”.
 O menino, indeciso ainda diante de tamanha responsabilidade, não tem muito a responder. Tenta um segundo “mas”..., porém a voz é mais convincente. “Estarei com você, para livrá-lo de qualquer perigo”. Estende sua mão e o unge com seu mandato, sua autoridade: “Colocarei minhas palavras em sua boca, dar-lhe-ei poderes sobre as nações, os reinos, as instituições humanas, para destruir em meu nome tudo o que é contrário aos meus ensinamentos, mas também para construir, edificar, plantar tudo o que é bom, favorável aos princípios da minha Lei”. Então o menino, inseguro que era, tornou-se forte e destemido diante das ameaças que rondavam sua fé. 
 Sua tarefa era austera. Porém como um louco e destemido defensor do povo, tornou-se uma voz profética, anunciadora de um novo tempo. Como guardião da fé que o movia, tornou-se um poeta de primeira linha, deixando vários poemas eivados de sensibilidade e visão realista de sua grandiosa tarefa. Escreveu: “Seduziste-me, Senhor, e eu me deixei seduzir! Dominastes-me e obtivestes o triunfo, Sou objeto de contínua irrisão, e todos zombam de mim”.  Nem por isso desistiu. Foi caluniado, preso e correu risco de morte. Durante quarenta anos exortou seu povo à reconciliação com Deus.
 Dizem que de poeta e louco todos temos um pouco. Acrescento: de profeta também. Só que muitos não o sabem e, os que sabem, se dizem desentendidos, inseguros, incapazes. O menino dessa história, Jeremias, o que se dizia pequeno diante de grande desafio, tornou-se um dos maiores profetas da história da Salvação. Portanto, nunca diga: sou pequeno, sou incapaz!

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