segunda-feira, 10 de julho de 2017

Eutanásia, distanásia e ortotanásia: o que são e quais as diferenças?

Eutanásia, Distanásia, Ortotanásia

E qual é o caso do bebê Charlie Gard?
Instagram/Charlie's fight

Então não estamos diante de um caso de distanásia?
Por uma cultura de vida!

A palavra grega “thánatos”, que quer dizer “morte”, está na raiz de três conceitos muito importantes da bioética: eutanásia, distanásia e ortotanásia.
São João Paulo II comenta no parágrafo 65 da sua carta encíclica “Evangelium Vitae” (“O Evangelho da Vida”): a eutanásia é “uma ação ou omissão que, pela sua natureza e nas suas intenções, provoca a morte com o objetivo de eliminar o sofrimento”.
Importante observar que a eutanásia nem sempre é ativa: ela também pode ser praticada por omissão — ou seja, por deixar de fazer algo que, nas circunstâncias em questão, seria moralmente obrigatório.
A eutanásia, portanto, também é praticada quando se negam determinados cuidados médicos sem os quais se sabe que o doente vai morrer. Este foi o caso da norte-americana Terri Schiavo. Ela estava em Estado Vegetativo Permanente até que, em 2005, seu marido conseguiu na Justiça uma ordem para que o hospital interrompesse a sua hidratação e nutrição artificiais. Que se saiba, Terri não recebeu nenhuma substância que acelerasse a sua morte; mesmo assim, ela sofreu eutanásia: após uma longa agonia, morreu de fome e de sede. O caso teve grande repercussão mundial.
Além da forma (comissiva ou omissiva), a eutanásia se caracteriza também pelas intenções: o que formalmente a configura é a intenção de provocar a morte de outra pessoa com o objetivo de eliminar o sofrimento dela (cf. EV 56). O que diferencia a eutanásia dos outros casos de mortes provocadas é a intenção, aparentemente boa, de acabar com o sofrimento do paciente – mas provocar a morte de alguém é sempre uma forma de assassinato, inclusive quando se trata de um assassinato “dentro da lei”, como podem ser os casos do aborto, da pena de morte e da própria eutanásia.
Uma espécie de “extremo oposto” da eutanásia é a distanásia, também chamada de “obstinação terapêutica”. Ela consiste em querer manter um paciente vivo a qualquer custo, teimosamente, recorrendo a meios desproporcionados e inúteis, quando já não há mais nenhuma perspectiva viável de reversão do gravíssimo quadro do paciente. Importante: não estamos falando de um caso em que ainda existam chances, por mais remotas que sejam, mas sim dos casos em que simplesmente não há mais nada a ser feito e, mesmo assim, insiste-se em tentar manter o doente vivo a todo custo.
É o que acontece quando simplesmente se aceita, com realismo e sensatez, o estado terminal do paciente, reconhecendo-se que as capacidades humanas não são mais capazes de impedir a iminência da morte. A ortotanásia, portanto, se recusa a cair na obstinação terapêutica (distanásia), mas também se recusa a intervir por ação ou omissão a fim de acelerar a morte do paciente (eutanásia).
Tanto a distanásia (negar-se a aceitar a morte com serenidade e sensatez) quanto a eutanásia (provocar a morte propositalmente, ainda que com a alegada boa intenção de eliminar o sofrimento do doente) são pecados: a distanásia é uma forma de desespero, que é falta de confiança em Deus, e a eutanásia é uma forma de assassinato, porque causa diretamente a morte de outro. A atitude moralmente exigível do ser humano é a de defender a vida até a última chance, e, ao mesmo tempo, a de aceitar a morte com sensatez quando ela se mostra inevitável: portanto, sem causá-la e sem lutar desproporcionadamente contra ela.
Charlie Gard é um bebê inglês que sofre de uma miopatia mitocondrial, doença raríssima que se agrava rapidamente e para a qual não se conhece hoje a cura. Os médicos do Great Ormond Street Hospital de Londres, onde Charlie está internado, alegam que não há mais nada a ser feito: eles querem desligar os aparelhos de respiração, nutrição e hidratação artificiais que mantêm o bebê vivo.
Mas, embora não haja nenhuma certeza de cura, existe nos Estados Unidos um tratamento experimental. As chances de resultado positivo são mínimas – mas existem. Os pais de Charlie, Connie e Chris, conseguiram arrecadar cerca de 1,3 milhão de libras junto a doadores voluntários via internet para custear o tratamento nos EUA, mas o hospital de Londres não quer liberar a criança: os médicos ingleses consideram que, no atual estado de Charlie, quaisquer intervenções terapêuticas serão desproporcionadas.
Acontece que os pais do bebê querem tentar o tratamento experimental norte-americano. O caso foi levado ao judiciário, mas um juiz britânico decidiu que o hospital deve desligar os aparelhos. Os pais de Charlie recorreram à corte britânica de apelações, à Suprema Corte britânica e à Corte Europeia de Direitos Humanos: em todos os casos, eles perderam a batalha judicial, um fato em si mesmo extremamente preocupante por configurar o sinistro precedente de um Estado que se arroga o suposto “direito” de determinar a vida e a morte dos seus cidadãos independentemente da vontade e dos recursos próprios desses cidadãos. Uma crítica a esta postura inaceitável da autoproclamada “justiça” pode ser lida neste outro artigo:
A postura dos médicos envolvidos na “decisão” também é moralmente inaceitável: há uma diferença muito grande entre o médico que não deseja realizar um tratamento por julgá-lo desproporcionado e o médico que resolve não deixar mais ninguém realizar uma terapia por não concordar com ela.
Nem sequer se pode falar propriamente em “impasse”: haveria um impasse caso estivéssemos diante de duas posições igualmente razoáveis. No caso de Charlie, há um pai e uma mãe querendo levar seu próprio bebê para ser tratado e há um hospital londrino querendo obrigar uma criança a ser morta por omissão de recursos cruciais para a sua sobrevivência. Isto não é um impasse propriamente dito: é mera violência e crime, e um crime do qual a “justiça” não apenas é cúmplice consciente, mas impositora totalitária.
Não é possível afirmar que a vontade dos pais seja “desproporcionada” – e, mesmo que fosse, o Estado não deve nem pode se intrometer. O Estado, em sua obrigação básica de defender a vida dos seus cidadãos, poderia e deveria manifestar-se caso a família quisesse praticar a eutanásia; mas não deve nem pode impedir uma família de lutar pela vida de um filho nem sequer num caso de distanásia – que dirá neste caso, que não pode ser taxativamente qualificado como distanásia porque ainda existe uma chance de tratamento. Os poderes públicos são legítimos para impedir a morte dos indivíduos; jamais serão legítimos para impo-la contra a vontade expressa dos familiares do doente atingido por tal intromissão.
Não.
Estamos diante de um caso em que existe um tratamento alternativo disponível, que os pais do bebê doente desejam tentar e para o qual eles já dispõem de recursos. É um caso de legítima luta pela vida de um filho. A Congregação para a Doutrina da Fé afirma explicitamente que, entre os meios terapêuticos legítimos e proporcionados, está o recurso às terapias experimentais quando não existem outros meios conhecidos de se obter a cura:
“Se não há outros remédios, é lícito recorrer aos meios de que dispõe a medicina mais avançada, mesmo que eles estejam ainda em fase experimental e a sua aplicação não seja isenta de alguns riscos. Ao aceitá-los, o doente poderá também dar provas de generosidade a serviço da humanidade” (cf. Congregação para a Doutrina da Fé, “Declaração sobre a eutanásia”, Cap. IV — O uso proporcionado dos meios terapêuticos).
Se for imposta a decisão ilegítima de desligar os aparelhos de Charlie à revelia da vontade de seus pais, estaremos diante de um caso de assassinato. Poderia ser considerado um caso de eutanásia por conta da alegação de suposto interesse em eliminar o sofrimento de Charlie, mas nem sequer há consenso quanto a tal sofrimento.
E por que a decisão judicial é ilegítima? Na verdade, ela é duplamente ilegítima. Primeiro, porque, ainda que fosse um caso de distanásia, não cabe jamais ao Estado impedir os particulares de praticá-la; segundo, porque realmente não há consenso suficiente para afirmar que a manutenção dos aparelhos de Charlie configura de fato distanásia, sabendo-se, como se sabe, que existe uma alternativa de tratamento, por mais remotas que sejam as suas chances de sucesso.
Um mundo melhor é aquele onde a vida humana é reconhecida como sagrada: onde os pais têm direito de lutar pela vida de seus filhos mesmo contra as cortes do mundo inteiro; onde os hospitais são lugares em que se busca o restabelecimento do corpo e não uma morte ideologicamente imposta como “digna”.
Independente do que ocorra, Charlie Gard já é um herói. Em seus frágeis meses de uma vida que insiste em resistir, ele já fez mais do que milhões de pessoas que tentam há anos fazer deste mundo um lugar melhor. O pequeno grande Charlie está mobilizando multidões que querem a cultura da vida triunfando sobre a cultura do descarte. Obrigado, grande Charlie – e vamos continuar lutando juntos!
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Adaptado de artigo original de Jorge Ferraz em Deus lo vult!